sexta-feira, abril 22, 2011

Dica de leitura: Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios (Marçal Aquino)

"Queremos o que não podemos ter, diz o professor Schianberg, o mais obscuro dos filósofos do amor. É normal, saudável. O que diferencia uma pessoa de outra, ele acrescenta, é o quanto cada um quer o que não pode ter. Nossa ração de poeira das estrelas.

Numa cidade do Pará à beira de uma corrida do ouro, o fotógrafo Cauby se envolve numa história de amor clandestino com Lavínia, uma mulher tão sedutora quanto instável. Tendo por pano de fundo os conflitos entre garimpeiros e uma mineradora, o desfecho da história se anuncia desde as primeiras linhas: dado a premonições sombrias sobre o próprio destino, o fotógrafo trata de cumpri-las à maneira dos personagens trágicos.

Nas mãos de Marçal Aquino, no entanto, esse caminho nunca é percorrido sem surpresas. Se a trama tem elementos da tragédia, com seus heróis movidos por forças que não conseguem controlar, a maneira como é narrada afasta qualquer previsibilidade. Cenários, tipos humanos, diálogos, peripécias: nada é o que aparenta à primeira vista. Estamos num território ambíguo, avesso a estereótipos, um cenário em que os silêncios explicam tanto quanto as palavras e as atitudes.



Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios é construído sob o signo da espera: a de Cauby, que nunca sabe quando Lavínia irá visitá-lo para tardes de sexo intenso e urgente; a do Careca, personagem que passou a vida na expectativa de uma paixão platônica: a do jornalista Viktor Laurence, que prepara em segredo uma vingança contra seus inimigos; a da cidade, que antevê a violência prestes a explodir em seus domínios. A habilidade do autor está em transformar cada uma dessas situações, que se entrelaçam na fala sinuosa de Cauby, em chaves que explicam o mistério e o sentido da trama.

O livro é uma vertiginosa e acidentada história de amor, ainda mais espantosa porque nascida num ambiente hostil a qualquer manifestação de delicadeza. Mesmo cercada por episódios de loucura e brutalidade, a sedução emerge como o mais arriscado dos jogos. Entregar-se a seus caprichos e normas, tão rígidos quantos os que regem a vida do submundo, pode ser a prova mais difícil da vida de um homem. Aquela que, nas palavras do próprio Cauby, acaba definindo a sua sorte: "Quero saber quantos tiveram a coragem de ir até lá. De encontro ao fim. Eu tive."

Sobre  o autor:
"Marçal Aquino nasceu em Amparo, no interior paulista, em 1958. Publicou, entre outros livros, os volumes de contos O amor e outros objetos pontiagudos (1999), Faroestes (2001) e Famílias terrivelmente felizes (2003), além das novelas O invasor (2002) e Cabeça a prêmio (2003). Atuou como roteirista dos filmes Os Matadores, Ação entre amigos, O invasor, Nina e Crime delicado.

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